terça-feira, outubro 12, 2004

O que ontem era mentira, hoje é verdade


Foto - "Medo" - da autoria de Rui Vale de Sousa
extraída do site 1000 Imagens





A nossa memória é curta. A memória – tal como a responsabilidade – é inexistente na classe politica nacional.

Há cerca de um ano foi discutido na Assembleia da República uma proposta de Lei apresentada pelo BE que pretendia regular a concentração dos grupos de média.

A proposta foi rejeitada pelos partidos da coligação, sob o pretexto que a lei existente ser “perfeitamente adequada”, palavras do menino Melo do PP, na altura ainda simples membro da bancada mais à direita.

A Alta Autoridade para a Comunicação Social está a ser mantida ligada a um ventilador político há meses, diria mesmo há anos. Quando foi criada – incluída numa revisão constitucional – a sua função prioritária ligava-se à atribuição das licenças para os novos canais de televisão. No entanto a sua funcionalidade não se extinguia na exclusividade da análise dos diversos cadernos de encargos concorrentes e ao parecer fornecido ao Governo da altura.

Houve momentos em que ainda tentou intervir no panorama comunicacional. A verdade é que os resultados foram nulos. O seu poder máximo nunca foi executado, nem tão pouco serviu de arma de persuasão ou dissuasão. Retirar a licença de emissão a uma operadora nunca foi verdadeiramente equacionado. O pagamento de multas sempre compensou o criminoso. Os vários atropelos à lei, à ética e à deontologia ficaram sempre impunes.

A extinção da AACS já está prevista há muito tempo, assumidamente. Os nossos políticos têm realizado várias “reuniões de trabalho” (como eu gosto desta expressão) de forma a chegarem a um acordo sobre um novo figurino, no entanto há a questão da Constituição. O juiz desembargador Torres Paulo - e a sua equipa - é mais um encargo que consta na nossa folha de pagamentos. Seja por incompetência, falta de vontade política, disponibilidade de tempo ou um outro motivo de força maior... estes senhores não passam de um bibelot. Giro e com uma história, mas apenas a ocuparem um espaço ainda livre no naperon da politica nacional.

Durante anos temos assistido a uma total desregulamentação e concentração nos média nacionais. Hoje a “informação” está na mão de uns poucos que têm uma estratégia concertada. A sua agenda, aparentemente oculta, acaba por ser bem transparente. A qualidade da informação deu em definitivo lugar ao entretenimento televisivo. As notícias não servem para informar, apenas para entreter uma população. Os jornalistas têm visto a suas funções usurpadas e adulteradas de uma forma vergonhosa, muito com consentimento da sua própria classe.

Volto a afirmar que hoje não existe jornalismo, apenas comunicação corporativa. Não digo que seja apenas em Portugal, mas é a comunicação lusitana que mais me preocupa neste momento.

O caso Marcelo – já repararam que vivemos na era dos “casos”? – foi apenas mais um momento em todo este processo. Um caso muito mediático, pelo carinho que o professor habilmente conseguiu conquistar como comentador/analista, mas que não o conseguira como político no activo.

A sorte portuguesa é a existência de muitos gurus que apontam o caminho e interpretam a realidade: “Na actual esquizofrenia mediática, Portugal vive entre dois mundos: o real, com cidadãos e problemas comuns, e o imaginário, primário, e artificial, com os ‘golpistas’ de sempre” [Luís Delgado – DN 11.10.04]. O problema é que ninguém identifica esses ‘golpistas’, já faz lembrar o ‘sistema’ do outro…

Apesar da afirmação de PSLopes na sua última comunicação ao país ter assegurado que “a liberdade comanda as nossas [Nossas? Quem?] vidas”, confesso não ter ficado muito convencido. Jorge Sampaio também não. O Presidente da República faz-me lembrar aqueles árbitros que depois de terem tomado uma decisão errada, do tipo não assinalar uma grande penalidade, começam com uma arbitragem muito inconsistente. Para além de Felipão Scolari, também o PR deverá andar com insónias, os seus erros têm sido tremendos. O seu maior pecado é a falta de clareza nas suas intervenções.

A sua insistência numa entidade reguladora da comunicação social parece agora um pouco fora de tempo. Não acredito que tenha sido a audiência que conceder a Marcelo R. Sousa que o tenha iluminado. Terá andado distraído? Apenas agora tomou consciência desta realidade lancinante?

O Sindicato dos Jornalistas apela a uma coisa que já existiu em tempos, designada por Conselho de Imprensa… em alternativa, segundo Óscar Mascarenhas, presidente do conselho deontológico do SJ, defende a existência de “alguém” com autoridade dissesse aos portugueses: “Vocês estão a receber gato por lebre”. Sim, também quero ser levado para uma mata e que me dêem um tiro na cabeça…

Quando os jornalistas deixam de acreditar neles próprios, muito mal estamos! Não seria mais indicado o sindicato desta classe apelar aos profissionais para reassumirem as suas verdadeiras funções e responsabilidades nas redacções? Para variar que começassem a fazer jornalismo? O sindicato deveria defender os jornalistas na luta contra a usurpação e esvaziamento das suas funções. O news-judgment tem de regressar aos jornalistas, os critérios editoriais não podem ser definidos numa assembleia de accionistas.

Quando uma personalidade, com a responsabilidade de Óscar Mascarenhas, defende que deve ser alguém a dizer o que é bom e o que não o é ao público, estamos perante da assunção da falência da comunicação social.

Já agora quem seria esse alguém? Um assessor do Ministério da Administração Interna, ou de “um-a-criar” Ministério da Propaganda?

Anda para aí gente já a mais! A mais e há demasiado tempo!

Vá lá, António Vitorino esteve menos-mal: “A resposta passa não apenas pela criação de uma nova entidade reguladora da comunicação social – aspecto previsto na última revisão da lei fundamental - , mas também pela capacidade de auto-organização dos jornalistas e da opinião pública”.

Ser jornalista – e estou a falar na generalidade dos profissionais – já não constitui promoção social, pois perderam a credibilidade. Cabe ao jornalistas defenderem a sua própria profissão, correndo o risco de trabalharem apenas com press releases e tornarem-se meros gestores – nem criadores são – de conteúdos.

Eu sei que os jornalistas também são pessoas. Sei que têm os mesmos problemas do cidadão comum, pagam cresces, escolas, propinas, créditos, hipotecas… necessitam de um vencimento no fim do mês. Mas cada vez recebem menos, cada vez têm mais condições precárias, maior instabilidade profissional… mas a iniciativa tem de partir do seu seio. Os jornalistas têm em primeiro lugar uma responsabilidade cívica com o público. Quando não a tem torna-se “noutra coisa”, mas nunca poderá dizer que é jornalista.

Voltem a interpretar os acontecimentos, façam o seu enquadramento… com objectividade, pois “a liberdade comanda as nossas vidas”.

Eu não quero ir para a mata… ajudem!




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