quinta-feira, outubro 14, 2004

Artigo interessante

Está em português do Brasil, mas é um texto interessante. Está publicado AQUI

NA CAMA COM A MÍDIA
Já no século XIX, os magnatas reconheceram o poder político e econômico do controle da informação

Por Carlos Drummond [1]

"Você tem mesmo que ir para a cama com os grandes investidores", desabafou certa vez o executivo George Morris para um jornalista, referindo-se à dependência da empresa controlada NBC, uma das três maiores redes de televisão dos Estados Unidos, em relação ao dinheiro de terceiros.

Quando deu essa declaração, Morris trabalhava para a RCA, empresa controladora da NBC e que foi adquirida pela General Electric em 1986. Com 30% do mercado de televisão nos Estados Unidos, líder mundial de notícias de negócios e produtora de programas assistidos em mais de cem países, a NBC representa hoje, no entanto, apenas 7% do faturamento da General Electric.
À dependência da NBC em relação aos grandes investidores acrescente-se, portanto, a sua participação irrelevante nos negócios da controladora GE. A superposição de dominações econômicas, externa e interna, dá uma idéia do tamanho da encrenca que é, para o jornalista da NBC, defender o interesse público, função precípua da sua profissão.

Longe de ser exceção, o desequilíbrio de forças entre o jornalismo e os negócios na NBC/GE é o padrão vigente nos grandes grupos de mídia que mandam nas notícias, no entretenimento e na cultura no mundo. O modelo foi consolidado no fim do século XIX, no nascedouro da grande empresa, nos Estados Unidos.

Magnatas que se tornariam ícones do capitalismo americano, como John Pierpont Morgan e John D. Rockefeller, lideraram o processo de constituição das organizações empresariais gigantes a partir da Guerra Civil (1861-1865), fato de importância decisiva para a economia americana. O problema é que a construção dos impérios privados desses e de outros senhores baseou-se na apropriação desbragada de ativos públicos.

A rapinagem, facilitada por condições materiais excepcionais e pelo anseio das pessoas por crescimento econômico, foi tamanha que os empreendedores receberam o apelido de barões ladrões, em alusão aos nobres da Europa medieval que repeliam as obrigações impostas pelo rei, taxavam as populações das suas regiões e assaltavam as caravanas de mercadores que transitavam por suas terras.

Rockefeller, o rei do petróleo, e Morgan, o czar das finanças, foram expoentes dessa estirpe, de acordo com os jornalistas áulicos; ou dessa gangue, como identificaram os repórteres investigativos ou muckrackers do período. Ambos, assim como Cornelius Vanderbilt e Johns Hopkins, magnatas das ferrovias, perpetuaram os seus nomes em universidades, fundações, museus, teatros e hospitais. A julgar pela sua prática, pertenciam à mesma vertente de especuladores execrados como Jay Gould, Daniel Drew e James Fisk, Jr., a quem superavam apenas na arte da dissimulação e da apresentação dos seus negócios como se fossem cruciais para o interesse público.

Cedo os barões ladrões perceberam o poder político e econômico do controle da informação. Alguns deles se esmeraram na usurpação de uma imprensa que, durante a Revolução, de 1775 a 1783, tinha mostrado seu valor. Nessa tarefa, empreendedores espertalhões, como Rockefeller, e espertalhões empreendedores, como Jay Gould, pontificaram. Mas coube a um outro integrante da plêiade, o banqueiro e construtor de canais e ferrovias Jay Cooke, o pioneirismo na matéria.

Considerado o criador do marketing financeiro e dos grandes negócios com títulos públicos, anunciava maciçamente nos jornais as subscrições de papéis do governo e pagava almoços e bebidas para todo jornalista financeiro que encontrasse. Os anúncios e os agrados rendiam-lhe o apoio dos jornais a projetos de leis e a conduções da política econômica em seu favor. A eficácia das suas ações valeu-lhe a nomeação como agente exclusivo do Tesouro. Em 1863 a sua organização tinha 2,5 mil agentes e lançava títulos equivalentes a US$ 500 milhões por ano.
Rockefeller contava com pelo menos dois instrumentos para obter lucros: as torres de petróleo e o controle da imprensa nas regiões de prospecção. Um dos primeiros periódicos da sua rede, comprado em 1885, foi o combativo The Derrick, da Pensilvânia, que era o seu mais feroz oponente. Em Buffalo possuía o People’s Journal; em Trinidad, no Colorado, era dono de dois jornais, o Chronicle News e o Advertiser.

A cadeia tinha ainda o Chieftain, de Pueblo, e o Post, de Denver. Pioneiro da assim chamada imprensa segmentada, Rockefeller publicava também dois veículos voltados para a sua clientela: o Manufacturer’s Record, dirigido aos industriais, e a Southern Farm Magazine, distribuída para os fazendeiros.

A propriedade de jornais não bastava e Rockefeller desencadeou uma ação que deixaria com água na boca muitos empresários e não poucos assessores de imprensa de hoje. Através da Jennings Publishing Company, de Ohio, firmou contratos com mais de cem jornais para supressão de toda e qualquer menção prejudicial à sua pessoa ou aos seus negócios.

Uma outra cláusula obrigava a publicação de artigos preparados pela sua empresa, a Standard Oil, apenas sob a forma de reportagens ou editoriais, jamais como publicidade. A idéia entusiasmou outros empresários. Um contrato semelhante foi assinado, por exemplo, entre a ferrovia Southern Pacific e o jornal Examiner.

Rockefeller utilizava, em relação à mídia, métodos e padrão moral semelhantes aos usados na construção do seu império, baseado na sabotagem dos concorrentes e em conluios e manipulações para aplastar as produtoras de petróleo independentes. A mesma coerência mostrou Jay Gould.

O New York World, adquirido em 1879 e vendido para Joseph Pulitzer quatro anos depois, era o seu instrumento para manipular o mercado de ações, desacreditar concorrentes e apresentá-lo como paladino da luta contra os monopólios, uma maneira de diminuir a má repercussão dos golpes que aplicava ao mandarim das ferrovias, Cornelius Vanderbilt, e a John Pierpont Morgan no mercado de ações e no setor de estradas de ferro.

Mais insidiosa e eficaz foi a sua manobra para se apropriar da Western Union Telegraph Company e, por meio desta empresa, da Associated Press, a principal agência de notícias nos Estados Unidos. Informações distorcidas para beneficiar os seus negócios, notas positivas a seu respeito e notícias fabricadas contra os movimentos grevistas e em favor do capital eram distribuídas e publicadas por quase todos os jornais.

O efeito dos magnatas americanos sobre a mídia não se restringiu à ação direta. Rockefeller fundou as universidades de Chicago e Stanford; Vanderbilt, as batizadas com o seu nome. Morgan criou o Drexel Institute, além de aportar milhões de dólares para a Universidade Harvard. O financiamento dessas e de outras instituições foi uma operação casada com a imposição, por meio da demissão de professores críticos, de um padrão de ensino de economia altamente favorável aos barões ladrões.

Centralizado na história de negócios laudatória aos empreendedores, esse modelo foi a base de inúmeras revistas dedicadas a tecer loas aos empresários. Com esse lastro ideológico, as práticas rasteiras dos barões ladrões, autores, é bom lembrar, de transformações cruciais para a economia, adquiriram legitimação social.

Não por acaso os grandes meios de comunicação quase sempre poupam empresários e banqueiros e referem-se a eles apenas para enaltecer o brilhantismo das suas jogadas mercadológicas e publicitárias. Essa é a regra e aqueles que fogem do roteiro sabem muito bem das agruras que os esperam.

Tamanha ascendência do dinheiro privado sobre a informação de interesse público só se explica pelo total entranhamento da razão empresarial no Estado, nas instituições democráticas, na mídia e na opinião pública. A história mostra, no entanto, que nem a razão empresarial nem o domínio da mídia são infensos às grandes crises econômicas, que costumam demolir, em poucos anos, décadas de submissão e de aulicismo, como se viu após a derrota dos monopólios simbolizada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929.

Os livros contam também que nem mesmo nos piores momentos deixaram de existir jornalistas comprometidos com o interesse público e que a sua resistência foi decisiva para o ressurgimento e a revitalização da imprensa crítica.

[1] Carlos Drummond é jornalista e coordenador do curso de Jornalismo da Facamp – Faculdades de Campinas

As informações contidas neste artigo estão publicadas em O Monopólio da Mídia, de Ben Bagdikian; O Capitalismo Selvagem nos Estados Unidos, de Marianne Debouzy; The Robber Barons, de Joseph Matthew; History of the Great American Fortunes, de Gustavus Myers.

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