sexta-feira, novembro 28, 2003

Ora isto explica muita coisa sobre o "País da Alice"

Ansiolíticos podem estar na origem de muitos acidentes de viação
Por GRAÇA BARBOSA RIBEIRO - Público



O psiquiatra Medeiros Paiva, especialista em psicofarmacologia, alertou ontem para o facto de, em Portugal as autoridades, não darem "a devida importância ao facto de o uso de benzodiazepinas poder estar na origem de muitos dos acidentes de viação e de trabalho registados no país". "A chamada 'droga maravilhosa', da qual usamos e abusamos, tem um efeito colateral que para os condutores é gravíssimo e está subvalorizado: a diminuição dos reflexos", sublinhou no V Congresso de Psiquiatria, que decorre em Coimbra, para apelar a "uma forte campanha sobre este problema".

"Se pensarmos que em Portugal são apanhados mil indivíduos por mês com mais de 1,2 gramas de álcool por litro no sangue e que as benzodiazepinas potenciam o efeito do álcool, temos de admitir que as nossas estradas estão cheias de assassinos", enfatizou, ao intervir no congresso, que decorre em Coimbra.

Mais tarde, em declarações ao PÚBLICO, Medeiros Paiva sublinhou que não dispõe de dados científicos sobre o número de prescrições de benzodiazepinas em Portugal. Mas disse calcular que mais de 60 por cento da população adulta recorra àquele fármaco e que, daquela, cerca de metade o faça sem prescrição médica.

Ao intervir no painel sobre "o mau uso e abuso de substâncias psicoactivas", o especialista (psiquiatra no Hospital de S. João, no Porto, a exercer actualmente funções de sub-delegado da Região Norte do Instituto e da Droga e da Toxicodependência) realçou as vantagens dos ansiolíticos e tranquilizantes que vieram substituir os barbitúricos a partir de finais dos anos 50. "São muito eficazes, actuam muito rapidamente e têm uma toxicidade baixíssima comparativamente com outros fármacos", enumerou, fazendo notar que "não é por acaso que lhe chamam a 'droga maravilhosa'".

Aqueles aspectos, considera, potenciam o próprio "abuso na prescrição". "Os médicos de clínica geral não têm meia hora para conversar com um paciente que lhes aparece a queixar-se de ansiedade. E mesmo de um ponto de vista economicista, é muito mais barato receitar um ansiolítico do que despender esse tempo", ironizou. A auto-medicação e a facilidade com que nas farmácias são vendidos esses medicamentos sem receita médica contribuem, na sua perspectiva, para o abuso.

Em declarações ao PÚBLICO, Medeiros Paiva defendeu a realização de um estudo significativo que permita tirar conclusões sobre relação entre o consumo daquelas substância e os acidentes, que sirva de base para a tomada de medidas. Mas defende que, "estando já provado o efeito colateral da diminuição dos reflexos, não se deveria esperar para fazer uma campanha sobre o assunto, e pelo menos tão forte como a que é dedicada ao álcool".

A sensibilização dos médicos para que façam uma prescrição rigorosa deste tipo de medicamentos e uma fiscalização séria quanto à sua venda nas farmácias são outras das medidas que propõe. Considera também importante que as pessoas às quais são receitadas benzodiazepinas sejam informadas, pelos médicos, de que "os sintomas de abstinência desaparecem, no máximo, em duas semanas". Mas ressalva que a causa do abuso das benzodiazepinas por parte daqueles que se auto-medicam tem causas mais profundas: "As pessoas não são felizes", afirma.


..::carlos galveias::..

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