quarta-feira, julho 07, 2004

Conjunto de artigos com muito interesse no JN - Media vs. Justiça

Penso que vale a pena ler... edição de 7/7/04


Jornal de Notícias, por Carlos Tomás e Tânia Laranjo - Ver restantes artigos aqui


Governo fecha portas da Justiça aos media

Depois de um ano em que a Justiça esteve debaixo de fogo e muitas decisões judiciais e autos que se encontravam em segredo de justiça terem sido publicados nas páginas de jornais, relatados pelas rádios ou mostrados pelas televisões, o Governo, ainda presidido por Durão Barroso, aprovou, em Conselho de Ministros, a alteração ao Código de Processo Penal que prevê mudanças drásticas no artigo que rege a "publicidade do processo e o segredo de justiça". As reacções vindas de vários sectores fazem antever uma discussão nada pacífica.

A bola está agora do lado da Assembleia da República, para onde o projecto de lei já foi enviado. Certo é que a legislação será mudada, independentemente do desenlace da crise política que se travessa. Até porque os socialistas já mostraram vontade de alterar o diploma num sentido não muito distante do que foi expresso pela maioria

O que parecia pouco significativo - só houve a mudança de um "e" para um "ou" (ver caixa) - afinal altera o espírito da lei. No código que ainda vigora, diz-se que só viola o segredo de justiça quem tiver qualquer intervenção no processo e informações sobre o seu conteúdo. Agora, incorre no crime quem preencher um desses requisitos. Ou seja, basta o jornalista publicar uma informação que está coberta pelo segredo de justiça (em rigor está toda, desde que o inquérito arranca) para incorrer no crime de violação de segredo de justiça. A pena prevista é de dois anos de cadeia, remissível em multa. Mas, se o jornalista sofrer várias condenações, arrisca um cumulo jurídico superior a três anos e pode mesmo ir parar à prisão.

"Atentado à democracia", diz Germano Marques da Silva, jurista e autor da última revisão do Código de Processo Penal. "O objectivo do legislador foi calar os jornalistas", continua Carlos Pinto Abreu, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, enquanto António Marinho, advogado, diz que se "trata de um dos mais violentos e inadmissíveis ataques à democracia"."Temos uma Polícia Judiciária instrumentalizada e está-se a ver o resultado. É ilusório pensar que se os jornalistas não puderem escrever sobre processos judiciais, o Ministério Público funcionará melhor. O que os políticos pretendem é o regresso à lei da rolha e isto não é feito para proteger os pilha-galinhas. É para proteger os poderosos, os que estão sob a atenção permanente dos órgãos de Comunicação Social, como, aliás, deve acontecer", continuou António Marinho, ao JN.

Os mais críticos defendem que a alteração da lei era necessária. Desde a publicação do conteúdo das escutas telefónicas a Ferro Rodrigues, líder do PS, passando pela denúncia do JN de que existia uma carta anónima visando o presidente da República no mesmo processo e até à divulgação dos nomes que constavam no álbum de fotografias mostradas às alegadas vítimas de abusos sexuais na Casa Pia.

Dos mais variados quadrantes políticos, foram também muitos os que criticaram a forma como estava redigido o artigo do segredo de justiça e a frequência com que os jornalistas se ilibavam das acusações.

Também Jorge Sampaio, presidente da República, se associou ao rol de críticas, dizendo que os jornalistas e os seus excessos punham em causa o bom nome das pessoas e das instituições. Durante o inquérito Casa Pia, chegou mesmo a dirigir, por duas vezes, uma mensagem ao país. Mas todos garantiram que não seriam feitas alterações legislativas, por pressão de um caso mediático.

Um "e" que muda tudo

Um "e" é diferente de um "ou". Diz a gramática que o primeiro é um advérbio de ligação e o segundo uma conjunção. A maioria governativa também o sabe e, por isso, a lei que propõe só muda o "e" para o "ou". Parece pouco? Puro engano. O "e" liga duas ideias, o "ou" propõe a alternativa. No caso, o que a lei diz é que comete o crime de violação de segredo de justiça quem tenha acesso ao processo "e" conhecimento dele. Na nova lei, bastaria uma das situações ("ou"). E como a ignorância da lei não beneficia o infractor, de nada valeria dizer que não se sabia.

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