sexta-feira, dezembro 12, 2003

HISTORIAS FERROVIARIAS XI

Entrei no comboio a recordar-me de ter escutado, ao telefone, o desalento de uma boa amiga, de não ter conseguido articular ajudas e de ter repetidamente pensado em escrever-lhe consolos, mas, rapidamente, descobrindo que a amizade não se descreve, sente-se e ouve-se, ou então não existe.
Comecei a pensar nos textos destes diários e constatei que já tinha escrevinhado todas as formas de verborreia, até "ordinarices", mas ai reparei que ainda não tinha escrito nenhum texto audível.
Mal me sentei, abstrai-me da envolvente social, endereçando os outros sentidos à exclusividade da audição.
Ctalanq, ctalanq, ctalanq…, toneladas de metal disparado, sustentadas por dois ínfimos arames paralelos que carregam vidas. Ctalang, ctalang, ctalang….
Passamos a maior parte da nossa existência abstraindo-nos da vida e, ctalang, ctalang, ctalang…., quando repentinamente ela chega, somos apanhados de surpresa, ctalang, catalang, ctalang… .
Tudo se resume a um conjunto de pequenas viagens, ctalang, ctalang, ctalang…, que nunca nos permitem decidir o caminho, mas, se estivermos atentos, podemos sempre escolher a composição, o momento da partida e o da chegada. Ctalang, ctalang, ctalang…Pfeeee, pfeeee; ptfiuuuu. As portas abrem-se e saímos para a gare do nosso mundo.
Aquela composição continua, ctalang, ctalang, com as viagens dos outros, a nós resta-nos escolher o próximo transporte, com a garantia da infinidade de saídas e de destinos.

F.Marinho

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