segunda-feira, setembro 29, 2003

Histórias Ferroviárias

Oito e quarenta e cinco de uma manhã de segunda-feira, completamente ensonado entrei no comboio que me leva diariamente ao suplicio. No meio da névoa descubro um lugar livre e eis se não quando uma senhora farta de seios de meia idade que, se senta ao meu lado, retirando do fundo da sua mala uma parafernália de instrumentos de tortura, começando imediatamente a tentar remendar aquilo que a natureza esqueceu.
Tentei distrair-me com a paisagem que corria em sentido inverso, mas os movimentos ilustrados de sons guturais eram inqualificáveis, eles eram "beiças", reflectidas num pobre espelho, pintadas à trincha, enquanto o pó de arroz, que mais parecia um qualquer produto farmacêutico, voava por todos os lados.
Comecei com sintomas de pânico, aquele som gorduroso entranhava-se-me nas narinas provocando o quase inevitável vómito mas repentinamente fez-se luz ao fundo do tunel. Chegou o Rossio, finalmente a liberdade, finalmente o ar puro recheado de escapes automobilísticos que fizessem desaparecer a náusea profunda. Continuo a minha descida às profundezas. Cheguei ao metro, comboio dos infernos. Sou içado do chão, levado pela força da multidão sou esmagado contra a porta contrária. Repentinamente pressinto a náusea a regressar. É ela, ela novamente.

Amanha apanho o comboio para Entrecampos .

F.Marinho


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