quarta-feira, março 24, 2004

HISTÓRIAS FERROVIÁRAS XV

- João Bernardo, ponha os pés para baixo que está a incomodar o senhor.
- Nhão!
- Ó João Bernardo ouça o que a mamã está a dizer.
- À méda!
Nesta fase do dialogo abri os olhos e, através de um jornal entreaberto, vislumbrei um selecto engravatado visivelmente incomodado pelos pés enlameados do pirralho sentado à sua frente.
O azarado senhor ia lendo as noticias enquanto tentava desviar as pernas dos ataques do indiozinho que se esticava cada vez mais.
- João Bernardo a mamã já disse ao menino para se sentar direito.
- Nhão!
Neste momento e impulsionado pelo corpo já todo de fora do banco, JB agarra-se aquilo que tinha mais próximo. A visão é dantesca.
Com JB, com metade do jornal entre mãos, deitado entre os seus pés, o infeliz cinquentão de olhos fora de orbitas agarrava parte do restante vespertino em cada mão.
- Tá a ver, João Bernardo, o menino podia-se ter magoado! Vá lá, agradeça ao senhor por lhe ter amparado a queda.
- À méda!
No meio de todo este reboliço JB decide mastigar uma parte do jornal já condimentado com a sujidade das pegadas molhadas.
- Ó João Bernardo, o menino não acha que isso não se faz?
- À méda! Blurg……..
Eis que o santinho "bolsa", para o colo de tão calma progenitora, todo o conteúdo daquele satânico estomagozinho, criando uma poçazinha de aspecto toxico e odor condizente.
- Ó João B…..
- À méd…..
Clap!
- Buaaaaaaaaaaaa…
Finalmente o comboio chega a Entrecampos e pelo sorriso do meu parceiro de viagem acredito que existem momentos em que se saboreiam pequeninas vinganças.

F.Marinho



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